quinta-feira, 7 de julho de 2011

O mal renascerá?


1
No hábito costumeiro, debruçado sobre o balcão, seu Isaías fica pensando, enquanto os fregueses não chegam para beber, curtir a noite e a madrugada da sexta-feira, após os dias de trabalho dessa vida moderna, que nos deixa estressados. É, está ficando velho, amparando-se nas reflexões. Sorri ante a conclusão realista. A velhice...
O garçom Pedro no centro do salão, esfrega a flanela sobre o plástico das mesas. Cabisbaixo. Responsável. Digno sim, de um aumento no salário e gorjetas que recebe dos freqüentados do bar. Ótimo funcionário. Sim, terá de conseguir novo local para expandir o seu negócio, pois vai bem o seu comércio e depois dará o aumento ao Pedro, que continua a limpeza, apressando-se para dar conta da obrigação.
Fora, indiferente a tudo, à noite como é natural, dentro do tempo, amadurece. Na avenida entre o bar e a calçada oposta, automóveis, motos, bicicletas transitam. Nessa mesma calçada oposta, pedestres caminham apressados, como peças noturnas.
De repente, seu Isaías se lembra. A prisão do tarado sexual, aquele que assassinava as lourinhas bonitas nas madrugadas da sexta-feira, depois de lhes usufruir do corpo esguio, bonito...
Tudo agora lhe parece com um filme de terror, que chega ao final, com a prisão do maníaco. Quantas adolescentes o cara matou? Cinco. Cinco mocinhas com a vida praticamente pela frente! A maldade humana não tem limite. Contudo...
- Pensando no tarado que foi preso seu Isaías?
Ele desperta com a indagação do empregado que se aproxima, sorrindo, gozador, doido para levar um “fora”, contudo, também sorri e responde:
- Tava mesmo pensando Pedro. Quem diria hein? As bichinhas tão inocentes, perder assim a vida...
Pedro calejado pela vida então é prático:
- Patrão, essas meninas não são tão inocentes não: quando saem para “programa”, vão cientes do risco que correm, têm os exemplos estampados diariamente nos jornais, televisão!
- É, até certo ponto, você tá certo. Mas, mesmo assim, a gente não se conforma. Eu pelo menos, não me conformo. Acho horrível o ser humano judiar do semelhante, num sadismo inexplicável...
- Concordo.
Seu Isaías aí retorna à vida normal, como se fugisse se amparasse ao presente:
- Você terminou de limpar as mesas? Não? Termine rapaz a obrigação. Isso aqui, você bem sabe, não demora a se encher dos “boas-vidas” e, temos de faturar, a inflação tá “pegando!”
Sem nada dizer, o garçom retrocede às mesas, esfregando a flanela úmida de detergente sobre o plástico branco, tirando-lhe manchas.

2
O automóvel cinza-prateado ganha a avenida, afastando-se em velocidade, aproveitando o vazio da mesma, devido à hora avançada da madrugada.
À direção, o sujeito grande, forte, mulato vai suando as mãos trêmulas, de dorsos frios. Procura o local para a “desova” do corpo que conduz no porta-malas do carro, numa repetição das cenas anteriores, das sextas-feiras, quando após usufruir em poses carnais, dos corpos esguios das jovens louras, as estrangula de repente, sob o comando de uma força que lhe ordena essa prática.
Sim, reconhece estar doente, servo do poder demoníaco.
- Estou “fora”, muito doente!
O grito como numa justificativa aos assassinatos que pratica. Dirige. A fisionomia transtornada. Os traços mais grossos, mais acentuados. Os olhos dilatados. O coração aos pulos. A respiração acelerada. Onde estacionará?
Mantendo distância, o outro carro segue esse do mulato.
Dentro, os dois homens estão calados, integrados à prisão que se efetuará, pois, após diligência, sabem que o maníaco sexual vai adiante, com a nova vítima adolescente, loura, bonita, na mala do automóvel. Apesar de policias experientes, sempre ficam perplexos com a detenção que fazem assim de repente, no cumprimento da lei.
Atentos, estudam o movimento do carro que agora dobra a curva da rodovia isenta de outros veículos. Diminuem a marcha.
Então o homem que vai à direção, sargento Marcelo, fala para o auxiliar, ao lado, o soldado Carlinhos:
- O cara parou ali. Agora, deve “desovar” a guria.
- Também acho sargento. Deixa ele abrir a mala que a gente chega e agarra o safado! Um doutor fazer isso... Miserável!
- Pois é, Carlinhos. O ser humano é capaz de tudo. Envelheço e não me adapto as aberrações humanas... Vê? Parou, saltou e abriu o porta-malas.
Velozes então se avizinham.
A porta aberta. O corpo envolto num saco plástico gigante. O rosto mulato que se volta, perplexo. A imobilidade dos gestos. A não reação e... A prisão!

3
- Sargento, a missão está cumprida. O tarado tá preso.
Bebem no bar “Recanto do Elias”, que se mantém cheio, nessa sexta-feira, pela madrugada.  
- É isso aí, Carlinhos. Vamos esperar...
- O quê sargento?
Então esse pega o copo e tomando devagar a cerveja, responde, sem fitá-lo:
- Esperar que não se solte.
- Mas...
- Carlinhos, meu prezado auxiliar, o homem é rico e infelizmente, quem tem dinheiro pode, consegue tudo. Tudo!
O auxiliar nada responde. Concentrado. Pensativo. E bebe a cerveja.
No balcão, seu Elias segue o movimento do seu estabelecimento. Ah, tem mesmo de encontrar outro salão para expandir o comércio. O Pedro não está mais dando “conta” do trabalho... Tem sim, de contratar um novo garçom. Faturar. Ainda bem que não mais apareceu jovens louras, bonitas, assassinadas por aí às sextas-feiras! Mas...
O carro vermelho estaciona ao meio-fio da calçada defronte, a porta se abre e desce o homem corpulento, morenão, bem vestido, acompanhado da mocinha esguia, loura, de longos cabelos, calças justas azul, blusa lilás decotada, sensual. Será que... Tudo irá recomeçar? Não, assim também é demais! Pensa seu Isaías.
O casal adentra.
Seu Isaías baixa a cabeça, evitando-o, como se assim fugisse às próprias reflexões, enquanto Pedro, solícito, se achega à mesa ocupada pelo casal e, sorrindo:
- Às ordens.
Paulo Valença

4 comentários:

  1. Paulo,

    Infelizmente, ese renascer NUNCA deveria ter nascido no interior dos homens...

    Só mesmo quem tem a alma malvada e doente é capaz de praticar tamanha maldade humana.


    Seus contos estão sempre na linha de frente de um mundo conturbado e difícil de ser vivido.

    Bjns.

    Solange

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  2. Paulo, fiquei muito feliz de ler esse conto, porque quando li "Sexta-feira assassina" fiquei com vontade de saber o final e agora foi desvendado esse crime. Eu só espero que esse infeliz não sai da "cadeia" por ser um doutor, ter dinheiro e influência.
    Abraços
    Kleber J G Martins

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  3. Solange,
    Seus comentários esclarecem de fato a grandeza e a fraqueza do ser humano.
    A colega é mesmo uma grande Mestra da Literatura.
    Abraço catrinhoso,
    Paulo Valença.

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  4. Kleber,
    Suas análises ao que escrevo deixam-me feliz e, como é natural, incentivado a continuar escrevendo, pois o colega se destaca como grande escritor e analista literário.
    Obrigado!
    Abraços.

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